MANHAS, MANIPULAÇÃO, MAUS HÁBITOS...?
UMA VIAGEM AO CÉREBRO DOS NOSSOS BEBÉS
"No nosso cérebro coexistem três regiões diferentes, produto da nossa evolução. A zona mais profunda, e também a mais antiga, tem uma história de quase 300 milhões de anos e é o cérebro primitivo, que inclui as estruturas que controlam funções vitais do corpo como a respiração, a digestão, a circulação, a temperatura, os instintos territoriais ou o impulso de luta ou fuga, a reacção imediata que nos faz decidir, em fracções de segundo, fugir de um incêndio ou atirarmo-nos para trás quando um carro passa em alta velocidade no momento em que íamos atravessar a passadeira.
A segunda região mais antiga do nosso cérebro é chamada de “cérebro mamífero” (porque é semelhante em todos os mamíferos). Nesta região do nosso cérebro, também chamado sistema límbico, estão as estruturas que nos permitem sentir emoções fortes como o medo, a raiva, a angústia de separação, mas também a vontade de nos relacionarmos uns com os outros, de construirmos relações sociais, de brincar e explorar, de amar e de cuidar. Entre outras estruturas que se encontram nesta zona do cérebro estão as responsáveis pela produção e libertação de hormonas fundamentais para nos relacionarmos e nos entendermos com o nosso bebé, como a famosa ocitocina de que temos vindo a falar.
Por fim, terminamos esta viagem ao nosso cérebro, pela zona mais jovem: o córtex (ou neocortex). Esta “aquisição moderna” desenvolveu-se especialmente em alguns primatas, mas de forma espectacular há cerca de 200 mil anos no Homem. É ela que nos permite ter um pensamento racional, a capacidade de resolver problemas de forma lógica, de reflectir. É também aqui que se desenvolve a empatia, a criatividade, a imaginação e a auto-estima. É porque temos um neocortex que conseguimos ter um pensamento abstrato, que aprendemos a ler e a fazer cálculos e que a história da Humanidade está cheia de grandes feitos. Esta é também a zona do cérebro que nasce mais imatura.
A natureza sabe o que faz e os nossos bebés trazem mais amadurecidas as zonas mais primitivas essenciais à sua sobrevivência. O seu cérebro superior, sabem hoje as neurociências, é como uma enorme árvore que será podada nos primeiros anos de vida. Ao nascimento temos cerca de 200 mil milhões de neurónios, só no final do primeiro ano de vida já teremos perdido cerca de 40 por cento deste número.
Porquê? Porque as células que não se ligam umas às outras, morrem. E essas ligações, ou sinapses, fazem-se nos primeiros anos de vida, principalmente através da experiência.
Essa possibilidade de ligação, ou noutras palavras a plasticidade do cérebro, é fundamental para que o bebé possa adaptar-se ao ambiente onde nasceu. É fundamental para que possa seleccionar aquilo que lhe vai ser mais útil, as ligações primordiais que marcarão possivelmente a forma como irá agir em muitos momentos para o resto da sua vida.
Já falámos sobre os célebres medos dos “vícios” e das “manhas” nos bebés e de como muitas vezes estes receios colectivos se aplicam logo quase desde o nascimento. Mas agora que falámos um pouco sobre o cérebro dos bebés à nascença torna-se mais fácil percebermos como é ainda mais ridículo, à luz do conhecimento que existe hoje, continuarmos a reproduzir essa ideia de que os bebés são capazes de um pensamento quase maquiavélico para manipular as mães a dar-lhes colo ou mama ou um embalo tranquilizador.
Simplesmente a parte do cérebro que lhes permitiria esse pensamento elaborado não está ainda desenvolvida. Alguns autores defendem que até cerca dos dois anos, as crianças não conseguem exercer mecanismos complexos de tentarem obter uma resposta concreta do adulto, ou "manipulação" sofisticada, no sentido em que não possuem ainda forma de elaborarem um pensamento consciente de “se eu fizer isto desta maneira, vou conseguir que a minha mãe ou o meu pai façam aquilo.”
Por vezes noto a expressão de alívio na cara dos pais quando lhes explico isto, como se de repente tivessem sido libertados desse manto de desconfiança que, inconscientemente, alguém tinha posto entre si e os seus bebés.
“Então não faz mal dar colo ou mama quando ele pede?”.
Não, mil vezes não. Por favor perca o medo de estar a ser manipulado. Entregue-se ao seu bebé com confiança.
Vincular é também atingir um estado de comunhão tão perfeito que as necessidades do bebé se tornam as nossas necessidades, e em que instintivamente respondemos sem medo a essas necessidades. Sem medo de estar a ser enganado. Sem medo de estragar.
Para vivermos com felicidade o processo da parentalidade precisamos também nós de um coração inocente. Tão inocente como o dos nossos bebés <3"
(Constança Cordeiro Ferreira in "Os Bebés Também Querem Dormir", ed. Matéria Prima, Abril 2015)