O que nos resta quando nos tiram o contacto humano?
Em 2010, parei de ter sexo por alguns meses. Acabavam de me dizer que eu tinha VIH e, consequentemente, desisti de uma bolsa de estudos no Brasil. Quando fui entregar a renúncia ao secretariado dos estudantes, a senhora a quem dei a folha leu que o motivo da minha escolha tinha a ver com saúde e disse: "seja o que for, desejo que recupere em breve". Eu apenas respondi "não há cura, tenho que ficar com isto para sempre", sem sequer conseguir sorrir diante de sua bondade. Saí sem acrescentar mais nada, havia muita dor nessa escolha.
Conversei com um amigo, procurando palavras de conforto e alguns conselhos sobre como ter uma vida afectiva apesar do vírus. Ele, precisamente quem me tinha iniciado ao sexo em grupo, e que esteve com dezenas de outras pessoas nos meses em que estava na cama comigo, respondeu muito abruptamente: “devias parar de foder ou encontrar outra pessoa com VIH, assim não terás problemas". Essa maldade, a mesma que muitos outros pensavam e não diziam por educação... e a verdade é que eu mesmo, afinal, me considerava apenas um veículo de dor, medo e morte. Esse amigo também me disse que, se descobrisse que tinha tido sexo com alguém com VIH sem ter sido previamente avisado, ficaria mortalmente zangado e, de qualquer forma, sabendo disso antes, provavelmente teria escolhido outro parceiro. Beco sem saída: perdes em qualquer dos casos. Naquele momento, ele era a pessoa mais próxima do meu coração, aquela com quem durante meses trocara abraços, carinho e dezenas de horas de actividades lúdicas sob os lençóis. Eu também suspeitava secretamente que ele era a pessoa de quem tinha apanhado a infecção, mas tratava-se de uma suspeita absolutamente infundada: eu estava ferido e teria sido fácil culpá-lo, em vez de assumir a minha responsabilidade por cuidar de mim. Chorei por um longo tempo após a chamada. Estava sozinho.
Nos meses que se seguiram, senti-me tão "intocável" e tão incompreendido que, além de não tocar nos outros, nem me tocava a mim próprio. Tinha medo dos meus próprios fluidos corporais. Eu era veneno, doença, pelo menos na minha percepção. Pesava muito pouco, estava deprimido, perdia o cabelo, não conseguia falar e estava apavorado: já me via com as manchas inconfundíveis do sarcoma de Kaposi, morrendo emaciado uma cama de hospital, como nos filmes. Só que no cinema o paciente tem sempre um parceiro apaixonadíssimo que o leva pela mão até ao túmulo, enquanto eu não tinha ninguém. De novo o jogo de basket, a criança que fui, última escolha daqueles que decidem quem faz parte da equipa do jogo: quem quer o elemento fracassado e doente?
Voltar ao sexo significava superar todos esses obstáculos com outra pessoa, e tive a sorte de fazê-lo. Mas para mim tocar nos outros nunca mais voltou a significar apenas tocar. O contacto, o sexo, o carinho expresso fisicamente tornaram-se os símbolos da minha resiliência, o emblema do meu renascimento, a voz com a qual se grita "Estou livre, estou vivo, estou bem!" quando ninguém acredita nisso. É por isso que é tão problemático para mim sentir-me indesejável. Mesmo sendo o resultado de uma percepção completamente errada, passei meses a pensar: cada dia que passamos sem nos tocarmos, sem nos amarmos, alimentando-nos de dúvidas em vez de alegria, é um dia que nunca mais nos será devolvido, um passo adiante em direcção à morte.
Agora estamos todos a lidar com uma possibilidade muito limitada de nos tocarmos, um problema relacionado com um vírus: é mais fácil porque não precisas de ser considerado uma bicha toxicodependente ou um mercenário para que isto bata à tua porta, mas o corpo, intocado, murcha exactamente da mesma maneira. O que é que se sente?
Páginas à margem, episódio 15
Paolo Gorgoni, colaborador do GAT e CML na elaboração de estratégias de resposta ao VIH em Lisboa
Tradução livre do italiano